segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Anseios de uma terra



Outro dia notei que os olhos de alguém suplicavam ajuda. Chegando mais perto, olhei-a, precisava dizer alguma coisa, sem muito esperar falei de Deus. Pensando em ter cumprido a minha missão, voltei novamente aos seus olhos e vi que lacunas continuavam. Percebi que ela entendera o sentido da palavra, mas a frase não obteve efeito, a mensagem não ancorou, não enraizou, não desarrumou as malas no destino da alma.

Terra. Simplesmente um amontoado de grãos acumulados, misturados a pedregulhos e alguns restos de outras vidas. Depois do ocorrido me veio o quanto o coração humano é semelhante a ela, me percebi da nossa falta de cuidado com o terreno, do nosso anseio pelos frutos antes das flores que os antecedem.

A tentativa foi a de plantar uma palavra em terra de ninguém. A terra rejeitou ser semeada. Comecei a me lembrar que naquele olhar havia um desejo difícil de se decifrar. Há diferentes anseios em cada terra, há quem queria ouvir, há quem queira chorar, há quem queira sentir-se especial e há também quem se contente com um minuto de atenção. Bobagem é pensar que o problema está na semente, na verdade esquecemos na maioria das vezes de preparar a terra, não a olhamos no particular de cada grão que a compõe, e insistimos em impor algo que deveria ser sugestivo.

Jesus nunca quis impor nada a ninguém. Ele trouxe a nova proposta de tratar a vida como uma experiência sem precedentes. Sabia que era preciso divulgar a verdade, sabia também que suas palavras contradiziam tudo o que até o momento se tinha como lógico, como inquestionável, nunca em toda a história houve alguém que propusesse amar os inimigos, acolher pecadores, ser pequeno para ser o maior de todos. A contradição, ao olhar divino, mostra-nos a real possibilidade que há no ser desacreditado, convence-nos que da terra seca podem surgir os mais belos frutos.

Jesus rabisca a terra. O filho de Deus cala-se por alguns instantes. No momento em que há vagas para palavras é onde o silêncio torna-se cúmplice da sabedoria. Ele entende que a terra clama por atenção, precisa ser ouvida, quer ser compreendida antes da lição, necessita contar das dores ao médico antes de saber da cura. É a história de uma vida que quase ninguém tomou conta, são faltas e sobras que precisam ser compartilhadas e divididas, é a terra tomando ar, sendo arada, é no ouvir que se inicia o conforto de saber quem somos e de que precisamos. Deus é o único que sabe ouvir sem precisarmos vocalizar.

Já que precisamos de vozes, aprendamos então a ouvir mesmo sem entender, a ver a culpa sem condenar. “Ninguém te condenou, nem Eu, vai e não peques mais” (Jo 8, 10). É depois de acolher que se exorta, depois da terra arada que removemos os pedregulhos e restos que há nos corações. E quando a terapia termina, a terra grita silenciosamente pela palavra divina a ser semeada, palavra regada, e por fim colhida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário