segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Destilando o nosso Veneno


Inquestionavelmente, a língua falada é o tipo de comunicação mais utilizado pela humanidade. A usamos para transmitir as mais simples mensagens do dia-a-dia, para expressar desejos, alertar perigo, pedir, reclamar, questionar... Boa parte de nossas atividades necessita da expressão de nossos pensamentos e sentimentos, e é por meio da verbalização que encontramos um modo simples e ágil de nos comunicarmos.

Na história, foram palavras que dividiram povos, influenciaram governantes e motivaram pensadores. Talvez seja a mais notória característica que nos diferencia dos animais, a capacidade de transmitir idéias pensadas, de expor o raciocínio lógico individual ou coletivo. Complementando a famosa frase de Descartes poderíamos acrescentar: “Penso e me comunico, logo existo”, de fato a comunicação é essencial, mas verdadeiramente conhecemos o poder que uma palavra tem na vida das pessoas?

E assim começou: “A serpente disse para Eva: É verdade que Deus disse que vocês não devem comer de nenhuma árvore do jardim?” (Gn 3,1). O mal se revelou a primeira vez à humanidade instigando a dúvida através da mentira verbalizada. Historicamente, a serpente era para povo hebreu a representação do mal por ostentar sua língua constantemente ao se sentir ameaçada, eles acreditavam que o veneno estava na língua e dali advinha a o mal e a morte. Em dias atuais, sem muito esforço vemos o quanto continuamos usando deste mesmo artifício para obtermos benefícios próprios ou para causar discórdia a quem nos ameaça. A língua continua a ser usada por muitos como forte arma de retaliação, o princípio dos conflitos familiares, a causadora dos traumas afetivos, das intrigas entre amigos, das divisões na Igreja e nos grupos de evangelização.

A psicologia explica que nossa mente tem a tendência natural de transpor nos outros as nossas próprias deficiências. Sabendo disso, Jesus, o maior dos psicólogos, questionou: “Por que você fica olhando o cisco no olho do teu irmão, e não presta atenção à lasca que há em teu olho?” (Mt 7,3). É justamente no prazer de promover o fracasso do outro, que pensamos suprir o nosso próprio insucesso. Como se não bastasse pensar assim, ainda fazemos questão em compartilhar essas nossas tristes opiniões com alguém disposto a ouvir, e assim se dissemina a calúnia que tudo destrói. Deus nos fez bem diferentes da outras criaturas, nos deu a capacidade de pensar o que vamos dizer, e de saber acolher na íntegra ou parcialmente o que o outro diz. A partir do momento que abrimos a boca para fazermos comentários de outro irmão, temos a grande responsabilidade de plantarmos na comunidade a união ou a discórdia, por isso é preciso de nós cautela o suficiente para saber previr os bons ou maus frutos dessas palavras semeadas.

“Por isso abandonem a mentira: cada um diga a verdade a seu próximo, pois somos membros uns dos outros. Vocês estão com raiva? Não pequem, que nenhuma palavra má saia da boca de vocês, mas só a que possa fazer crescer o seu irmão” (Ef 4, 25-26). Quando palavras impensadas proferem de nossos lábios, não há significância cristã, palavras cristãs resultam de cabeça e coração agindo conjuntamente, quem age subordinado a um desses somente, tende ao exagero. As palavras desses momentos inoportunos têm o poder de destruir as muralhas dos mais resistentes corações, são reações naturais de nossa inclinação humana pecadora, mas estes geram sentimentos que crescem como um tumor tomando conta de nós, carregamos esta carga emocional negativa por um longo tempo, até que haja o reconhecimento de nosso erro seguido de reconciliação. “Re-conhecer”, é conhecer de novo e de um novo jeito, é enxergar sobre a óptica de quem sofre, de quem é tão frágil quanto você mesmo, é a humildade de ser o primeiro a admitir sua parcela de erro ir ao encontro do próximo. E é no encontro que se dá o confronto, fonte de todo o aperfeiçoamento e superação de limites, o limite de amar sem que o outro mereça, o limite do perdão. “Vocês ouviram ao que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu porém vos digo: amem seus inimigos, façam o bem aos que vos odeiam, rezem pelos que maltratam e perseguem vocês... Se amarem somente os que lhes amam que recompensa terão vocês? Assim também não fazem os que praticam a maldade?”(Mt 5,43-46).
Nossos limites podem ser superados, porque Deus nos fortalece em todas as situações, Ele nos encoraja a pedir o perdão mesmo na possibilidade de não recebermos, de perdoarmos mesmo seja de grande sacrifício em o conceber. “Que a caridade entre vocês não seja fingida, sejam carinhosos uns com os outros” (Rom 12, 9-10).

Muitas traduções bíblicas fazem sinonímia entre as palavras “Amor” e “Caridade” (do latim, Caritas), que significa “preço alto do amor”. Este alto preço só nós mesmo podemos pagar, é a nossa contribuição para que aprendamos a nos amar mutuamente. “A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor... Tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (Cor 13, 1-7).

O segredo de saber perdoar é ter o coração como o de uma criança. “Deixai vir a mim as criancinhas porque o Reino dos Céus é para aqueles que se parece com elas” (Mt, 19,14). Se fossemos como as crianças, não teríamos tanta dificuldade em perdoar, para elas não há tempo, só existe o agora, nelas compreendemos a forma de amor que Deus quer para nós, o amor natural, sem esforço, sem interesses, o amor que por hoje basta. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança, amável, e sem rancor... hoje vejo-me em um espelho e me confundo, deixei as coisas de criança, imperfeito me tornei.” (Cor 13, 11-12).

A reconciliação nunca é tarde demais para quem quer perdoar e ser perdoado. Quando acontece o coração descansa, porque dele já não precisa mais sair palavras, nesse momento a pessoa só se sente verdadeiramente amada por ter sido conhecida e acolhida, a partir daquilo que tem de melhor e também daquilo que tem de pior, é o encontro não só do pecador e do pecado, mas também da criatura com a paz de Deus. O perdão é única forma de destilar o veneno que há em nós, e assim reconciliados, que vigiemos nossas línguas para que delas só saiam palavras que venham de Cristo, o verbo que verdadeiramente se fez carne e habitou entre nós.

“Ponde Senhor uma guarda em minha boca,
uma sentinela à porta de meus lábios,
Não deixeis o meu coração inclinar-se para o mal” (Sal 140, 3-4).
(Sal 140, 3-4).
Matheus Jardelino

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